OTI – O EXTERMÍNIO DE UM POVO - ( autoria do Prof. Benedito Prezia, publicado no Porantim nº 209, de outubro de 1998. CIMI, Brasília, DF.ARQUIVO: JOSÉ CARLOS BAHIANA MACHADO FILHO.)

Oeste do Estado de São Paulo, no chamado sertão de Botucatu, onde em meados do século vivia um grupo coletor – os Oti, Não sabemos ao certo se o território original era mais na margem direita do Paraná, como um outro grupo coletor, os Ofaiè.

 Por viverem nos campos, tanto os Oti, como os Ofaiê, foram chamados de Xavante, o que muitas vezes confunde quem não conhece muito a questão indígena. São poucos os relatos sobre os Oti, pois no início deste século já estavam praticamente extintos. Dois textos, pouco citados, merecem destaque: o de Curt Nimuendaju, que conta a história dos últimos remansescentes e um outro de Telêmaco Borba, indigenista que recolheu várias palavras Oti, por volta de 1878. (1908, BORBA, T. Actualidade Indígena. Curitiba: Impressora Paranaense).

O que chamou a atenção de Borba é que aquele povo, como alguns povos jê, possuía sons que os grupos de língua tupi não tinham, como o /r/ forte, Borba afirma que “é muito gutural”, e é o que se chama de /r/ retroflexo. Esta observação é de suma importância, pois vem mostrar uma das origens do famoso /r/ paulista, classificado também como /r/ caipira. Este mesmo som encontramos na língua kaingang e provavelmente deve haver o mesmo em outras línguas de grupos da família jê, mostrando uma influência de línguas do tronco macro-jê na fonética brasileira atual.

Os Oti, como vários grupos coletores, embora andarilhos, possuíam um território bastante delimitado – os Campos Novos - , no Oeste do Estado de São Paulo. Ao Norte, eram barrados pelas matas da bacia do Rio do Peixe, onde viviam seus inimigos tradicionais, os Kaingang, e ao Sul, pelo Rio Paranapanema, habitat dos Guarani Kaiowá. Como moradores dos campos, não usavam a canoa e pouca intimidade tinham com o rio.

Assemelhavam-se na simplicidade de vida aos Nambikwara, do Oeste de Mato Grosso. Não conheciam a cerâmica. Suas casas eram como os abrigos, feitas com ramos enterrados no chão e cobertas de folhas de palmeira, tão pequenas, que mal dava para se ficar sentado dentro delas. Construíam-nas alinhadas à beira de algum riacho, para facilitar a obtenção d’água.

Caçavam nos campos onde viviam, mas quando os animais se tornavam mais escassos, procuravam a mata, moradia de seus inimigos Kaingang. Como valentes guerreiros, os enfrentavam e geralmente levavam a melhor. Para a caça e a guerra, possuíam o arco, a flecha e uma comprida lança, feita com o tronco da palmeira.

 Os aldeamentos eram pequenos, formados no máximo por 40 pessoas e a população total não devia passar de 500 pessoas.

 A situação desse povo modificou-se drasticamente quando, por volta de 1830, os mineiros começaram a invadir a região. Com eles veio o gado. Para os Oti, aqueles estrangeiros pareciam trazer-lhes dádiva do céu, pois não precisavam se arriscar nas matas dos Kaingang, encontrando farto alimento nos tranqüilos animais que pastavam nos campos. Conta-se que, em 1870, chegou na região uma tropa de 80 éguas, que em pouco tornaram-se alimento daqueles indígenas.

 Eles nem suspeitavam o mel que estavam provocando, passando a ser alvo da ira dos colonos. De caçadores passaram a ser caçados.Nimuendaju nos dá um impressionante relato de uma dessas “caçadas”, feita por um grupo de 57 homens, reunidos pelo proprietário dos animais desaparecidos, João da Silva, numa aldeia situada no córrego da Lagoa, afluente do rio Sapé: “Os Oti dormiam o sono dos incautos e além disso a cerração encobria o inimigo que se aproximava: uma parte deste pois, a pé, passando através de uma pequena faixa de mata que se estendia pelos fundos da aldeia, cortou-lhes a fugida, enquanto a outra parte, a cavalo, deu a investida pela frente pelo campo aberto e em poucas horas se via uma carnificina, igual a tantas outras que pode enumerar a história de nosso sertão.

 Atordoados e sonolentos, os Oti levantaram-se, tentando escapar, tendo alguns deles mesmos tanta pressa nisto, que saíam com a choça à cabeça, arrancando-a do solo com o levantar; porém debalde; eles estavam circulando e foram mortos todos sem exceção de idade ou sexo, até verificarem apenas duas ou três  crianças que foram lavadas como troféus vivos. Quantos Oti foram assassinados nesta ocasião no córrego da Lagoa não se pode assegurar hoje. José Paiva, um dos que fizeram parte do grupo dos assaltantes, disse-me que os mortos estavam em montes sobre o terreno, e outras pessoas me garantiram que o número deles alcançava a 200; no entanto parece exagerar.

 Depois deste ataque, os Oti se mudaram da região, indo para a mata, em lugares mais escondidos e com sentinelas permanentes.Mesmo assim, continuavam caçando bois e sobretudo cavalos, sua caça preferida. Por volta de 1890, o grupo estava reduzido a 50 pessoas. O extermínio dos Oti fez com que os kaingang do Rio do Peixe se tornassem mais ousados, atacando os colonos. A situação tornou-se tão tensa, que os moradores de Jaguaretê, tiveram que abandonar tudo, mudando-se de região.Os massacres continuavam cada vez mais violentos. Quando localizados em algum samambaial seco, o fogo era ateado, queimando-os vivos.

 “Em 1853, alguém condoeu-se e resolveu fazer alguma coisa. Tratava-se de Veríssimo de Góes, um condutor de carro-de-boi de um morador de São Mateus. Imaginou que levando-os até a capital do Estado, iria encontrar ajuda e talvez uma área onde pudesse instala-los. Com muita conversa, convenceu o grupo do cacique Achimaco a realizar a viagem. Desconfiados daquele estranho convite, alguns se recusaram a partir. Com 30 pessoas, Góes iniciou a viagem até São Paulo.

 É de se imaginar o impacto que causou um grupo indígena, viajando de trem até a capital Ali chegando nem ajuda material e nem apoio conseguiram. Receberam alguns presentes e foram aconselhados a retornar à região. Sem recurso para a viagem de volta, Veríssimo não hesitou em vender alguns indígenas e por sua vez as mulheres foram vergonhosamente prostituídas para receber algum dinheiro. Dos 30, apenas um pequeno grupo conseguiu voltar à região de origem.

Para completar essa tragédia, uma doença contraída na viagem matou o líder Achimaco e quase todo o grupo, ficando apenas um único sobrevivente. Por sua vez os que se recusaram a ir para São Paulo, foram mortos pelos Kaingang”.

Segundo Nimuendajú, em 1903, restavam apenas nove pessoas: um homem, quatro mulheres e quatro crianças. Nesse mesmo ano, o homem foi assassinado por um tal Manoel Caetano. Narra esse pesquisador, que as mulheres então desamparadas tentaram procurar ajuda entre os colonos. Certo dia, um grupo de trabalhadores encontrou-se com elas, que agarrando-lhes pelas mãos, insinuavam unir-se a eles. Assustados, com aquela aparição repentina, um deles gritou-lhes que eram Coroados (Kaingang).

 “Mal se declinara o nome desta tão temida tribo, conta Nimuendaju, perderam os trabalhadores a cabeça e possuídos de verdadeiro pânico, cada qual procurava sua arma, nem mais se lembrando da orelha furada dessas mulheres, que era o sinal da tribo Oti. Debalde clamava o velho Israel (que conhecia bem aquele povo), que não atirassem nelas, debalde: à distância de um braço estendido, um de seus parentes varou com uma bala a cabeça da índia que lhe estava mais próxima; esta caiu-lhe aos pés, fugindo as outras três ao mato e os trabalhadores para as suas casas. No dia seguinte, encontrou-se o cadáver da mulher ainda no mesmo lugar, estando ainda viva a criança que conduzia, a qual só veio a falecer muito tempo depois”.

Em 1910, foram localizados mais três indígenas: um homem e duas mulheres, adotados por famílias brasileiras. Nimuendaju ainda conheceu esse homem, José Chavantes, já muito doente de malária, que logo o levaria.

A história desse povo faz lembrar a frase de Tupxi, indígena Irantxe, na década de 60: “Se a gente amansa índio ele morre de gripe; se não amansa índio, ele morre de tiro”.

 PALAVRAS OTI:

 Tuasla, estrela

Teuéde, moço

Dielsede, rio, água

Quyade, lua

Athrabe, pai

Itarduêde, menino

Fiduá, mãe

Diguede, mato

Hipipá, mulher

Inhestecude, arco

Igobe, casa

Uictoma, moça

Torta, flecha

Chanin, chuva

 Leitura complementar: Nimuendaju, Curt. O fim da tribo Oti. In: Textos Indigenistas. São Paulo, Loyola, 1982 (Col. Missão Aberta, v. 6).