MANIFESTO DA MULHER INDÍGENA (TEXTO DE ELIANE POTIGUARA)

Discurso proferido por ocasião do Dia Internacional da Mulher

Câmara Municipal do Rio de Janeiro,onde várias mulheres serão homenageadas com um moção especial, por ocasião do lançamento do livro do Vereador Pedro Porfírio “Sem medo de falar do aborto e da paternidade responsável”

 Estávamos tod@s lá em 1988, no Congresso Nacional, pintados e pintadas como se fôssemos para a guerra. Passávamos pelos corredores, e vozes ecoavam e palmas batiam estridentes. Várias formas de bocas, dentes e sorrisos dirigiam-se a nós. Estávamos felizes porque construíamos a Constituinte de 1988. Nossos olhares ao futuro eram esperançosos para que nossos filhos e netos kaiapós, guaranis, Tikunas, Potiguaras, Terenas, Krenaks, Pataxós, e de muitas outras nações indígenas pudessem ter seus direitos humanos assegurados naquela Constituição tão bem redigida e uma das mais avançadas do mundo!!!  Éramos estrelas naquele momento!

Não acreditávamos que o neoliberalismo reforçaria a pobreza e a exclusão social, acentuando cada vez  mais as desigualdades sociais, fortalecendo a descriminação racial, étnica e de gênero. Não acreditávamos naquele momento que os interesses antiindígenas, cada vez mais se fortaleceriam contra nossos direitos e que hoje o substitutivo do Estatuto do Índio estaria engavetado no Senado Federal.

Enquanto isso as mulheres indígenas Yanomami ainda são objetos sexuais dos militares em Roraima, ou mão-de-obra escrava em Mato-Grosso ou no Nordeste brasileiro.                                                                                            Chega-se  à crítica conclusão que não existem estudos , cifras, estatísticas que documentem as maneiras de como as mulheres indígenas estão sendo ameaçadas, violadas em seus direitos humanos e de que maneira elas possam estar se extinguindo a partir da mortalidade materna, da mortalidade por violências físicas, por conflitos culturais, por migração de suas terras indígenas e por conflitos políticos que ameaçam suas vidas, suas famílias e o direito ao território indígena e sua cosmovisão.

Suicídios, invasões de terras, estupros, doenças e diversos outros males sociais que atingem aos povos indígenas passaram a ocupar espaços na grande imprensa, registrando o estado de abandono em que se encontram as pessoas indígenas, primeiras nações deste país!

A violência, a intolerância  e o racismo aos direitos indígenas, se arrastam por muitos e muitos anos e séculos. Essa é a base da discriminação.  Que  se constitua um inquérito a partir de estudos antropológicos baseados em histórias e testemunhos, para que se consiga resgatar a dignidade e cidadania dos povos indígenas, dos Povos Ressurgidos e dos Quilombolas. Nossa dor não  pode ficar nas vitrines. Os gritos sufocados pela política neoliberal não podem fazer-nos calar.  A esmagadora maioria de famílias indígenas violentadas que continuam em aldeias indígenas ou que formaram parte das famílias desaldeadas ou desestruturadas permanecem oprimidas, por pressão política, social e econômica ou  por desconhecer os seus direitos humanos.

Esse tipo de violência e racismo,  a migração dos povos indígenas de suas áreas tradicionais, merece um estudo e essa situação está invizibilizada no país, assim com a situação das mulheres indígenas no Brasil, que sofrem abuso, assédio, violência sexual, que se tornam objeto de tráfico nas mãos de avarentos e degradados nacionais e internacionais.

Os conflitos entre povos e poder no mundo inteiro tem causado, migrações, "desplazamientos” (povos obrigados a deslocar-se e a fugir por algum motivo, sejam guerras locais ou guerras internacionais, conflitos de raça, etnia). Muitas consciências já se levantaram contra essa situação e principalmente contra as conseqüências destes deslocamentos de povos de seu habitat natural, constituindo-se no chamado racismo ambiental. Por isso o fenômeno Povos Ressurgidos, lideranças ou famílias indígenas que ressurgem nas cidades ou vilarejos,que se levantam pela consciência de quem são elas na história dos Povos Indígenas do Brasil. Muitos organismos das Nações Unidas têm tratado deste ponto com considerável atenção, mas ainda está aquém. E as mulheres e as crianças são as mais atingidas neste caso. Sobre as mulheres indígenas, a violação aos seus direitos humanos as tem conduzido às mãos de homens corruptos que as seduzem por um prato de comida, por programas, promessas eventuais que confundem o universo feminino, pois tais mulheres têm origem numa cosmovisão, valores, tradições totalmente diferentes do mundo urbano, envolvente e masculino. Recentemente um chefe indígena no Brasil Central,  passou por uma situação   muito humilhante entre os parentes de seu povo. Sua esposa partiu com um comerciante  local, estranho à sua etnia.  As mulheres indígenas em suas comunidades são iludidas pelo encantamento e as condições da sociedade envolvente, haja vista centenas e centenas delas  saírem de suas casas para a insegurança das cidades próximas ou as grandes cidades. Isso constitui  tráfego de mulheres. A maioria vai ser empregada doméstica como mão -de obra- quase escrava, como o depoimento da índia Deolinda Prado dado ao Grumin há quase 20 anos atrás, o que motivou a criação do primeiro núcleo de apoio a empregadas indígenas em Manaus. As mulheres indígenas também vão trabalhar como operárias mal remuneradas ou trabalhar nas grandes plantações dos latifundiários, num sistema de cativeiros, trocando seu trabalho por latas de sardinha e nunca conseguindo pagar sua dívida com o contratante. Ou vão morar com homens sem caráter que as transformam em objeto de cama e mesa e submetidas às agressões físicas e parirem dezenas de filhos para viverem  miseravelmente nas casas de palafitas na Amazônia, dentro e fora do Brasil ou sobreviverem em favelas contaminadas, moral, social, política e fisicamente. Muitas vezes, trabalham somente pelo prato miserável de comida ou por um pouco de farinha de mandioca. Atualmente, com o apelo  da comunicação de massa, muitas meninas e adolescentes indígenas querem projetar-se nos loiríssimos símbolos sexuais das grandes redes de televisão. Atual modelo de beleza brasileira que deixa os homens enlouquecidos. É o que acontece com centenas de mulheres indígenas que se dirigem a Manaus, a Belém, a Boa vista, a Recife, à Brasília, a  S. Paulo, ao Rio de Janeiro, e demais Estados do Brasil, para tornarem-se,iludidamente, essas insinuantes mulheres  da mídia e tornando-se prostitutas. O sistema político que deveria garantir o direito territorial dos povos indígenas, a preservação cultural e sua dignidade, não o faz. Os povos,  há séculos, sobrevivem num clima constante de insegurança, onde não se sabe se aquele local onde estão enterrados seus mortos, serão o território de seus futuros filhos!!!! Outra forma de tráfego de mulheres indígenas é constatar a presença delas nos prostíbulos, nas zonas de baixo meretrício onde vendem seus corpos por migalhas, contraindo Aids, outras doenças ou criando futuras crianças sem futuro, famintas ou aidéticas.

Os instrumentos jurídicos internacionais resultantes das Cumbres, das Conferências Internacionais organizadas pelas Nações Unidas estão aí para serem aplicados pelos governos. Mas a cada vitória da população oprimida do mundo, é uma nova batalha para que os governos ponham em prática os direitos conseguir

As demandas dos Povos indígenas como a inclusão da denominação “Povos Indígenas” nos documentos oficiais, a solicitação da ratificação do Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho(OIT), a solicitação de espaços de participação, cotas e inclusão da questão indígena nos Conselhos, nos Ministérios , a demarcação  e homologação das terras indígenas Raposa Serra do Sol e outras polêmicas terras, a reivindicação de um Estatuto do Índio que parta da realidade atual dos Povos Indígenas e outras demandas, são exigências que os NÓS - POVOS INDÍGENAS-  temos feito em todos os Fóruns nacionais e internacionais, principalmente no Grupo de Trabalho sobre Povos Indígenas das Nações Unidas que trabalha a DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS INDÍGENAS .

E sobre a questão de GÊNERO, a  luta tem sido dobrada pelo preconceito, desconhecimento, desinteresse  dos envolvidos  tornando a situação das mulheres indígenas no Brasil cada vez mais invisibilizada e excluída.

TEXTO DE ELIANE POTIGUARA

Ao utilizar o texto ,informar a autora e a fonte: GRUMIN/Rede de Comunicação Indígena sobre gênero e Direitos.

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